Não era para ter sido já, mas já era para ter sido há mais tempo. A mais velha dormiu ontem, pela primeira vez, uma noite inteira sem chucha. Foi um feliz acaso com a ajuda da grande força de vontade do pai, da fantástica criatividade musical da mãe e a par de um mínimo de colaboração da visada! Pode dizer-se que foi um sucesso, se bem que a nossa noite de True Detective tenha sido altamente comprometida.
Com o nascimento da irmã a dependência da chucha intensificara-se e nós tentámos nem fazer muito caso disso, pois estávamos à espera de algum tipo de regressão. Mas já há umas semanas que tínhamos conseguido limitar o uso da chucha só às horas de descanso, como já acontecia anteriormente. Íamos mandando algumas bocas em como já seria altura de largar a chucha, mas depois desperdiçávamos boas oportunidades de a ajudar no processo, como, por exemplo, no fim-de-semana passado quando fomos de fim-de-semana e eu não consegui encontrar nenhuma das suas trezentas chuchas cá em casa (foram encontradas mais tarde debaixo de algum móvel e escondidas imediatamente). A única chucha que havia era uma que "fazia barulho", ou seja, estava mordida e entrava ar, estando totalmente imprópria para consumo. Em vez de aproveitarmos a deixa, fizemos o que quaisquer pais que têm séries fixes para ver à noite fariam: fomos comprar-lhe outra chucha, depois de ela própria ter atirado ao lixo a chucha estragada. Ficou, no entanto, explícito que aquela era a única chucha que restava e que quando a perdesse ou estragasse, acabavam-se as chuchas. Por um feliz acaso, ou não, dois dias depois a chucha nova apareceu toda mordida. Num acesso único de lucidez, o pai aproveitou a deixa e disse-lhe que isso acontecia recorrentemente às suas chuchas porque ela tinha os dentes muito fortes e meninas com dentes fortes já não podiam usar chucha, pois mordiam-nas, entrava ar e o ar fazia mal à barriga. Parece tão básico, não é? Nunca pensei que ela fosse na conversa. Mas foi. Foi pôr a chucha no lixo e a coisa ficou por ali.
À hora de deitar ainda me perguntou pela chucha, ao que eu a relembrei do que tinha acontecido e não se falou mais no assunto. Nada de birras nem de choros nem de súplicas. Pelo menos durante os vinte minutos que se seguiram. Ainda pusemos o True Detective e conseguimos ver três minutos. Mas depois começámos a ser interrompidos de dez em dez segundos e lá nos resignámos. A coisa estava mesmo a acontecer. O processo ainda estava no início e ela precisava de ajuda para superar a falta que a chucha lhe fazia. Foi quando o seu pequeno cérebro foi buscar ao subconsciente formas de substituir a falta da chucha pelas saudades da sua prima Carol que mora em Inglaterra e que, por outro feliz acaso, tinha cá estado e tinha ido nesse dia com ela ao parque (ou aos parques, ver em baixo). E então a Inês começou num crescendo de saudosismo que começou agarrada à única foto que há em casa com a prima Carol (acabaria por dormir com a foto), continuou com um choro absolutamente inconsolável e acabou comigo na cama com ela a cantar-lhe A Música da Carol. Não esta, mas uma inventada por mim no momento. Muito melhor, portanto. Um autêntico hit da Billboard.
(Nunca desejei tanto ser o Vasco Palmeirim...)
Tentei basear-me na melodia da Capitão Romance, mas depois a coisa descambou e ficou a melodia mais feia que possam imaginar. Não. Mais feia ainda. Isso. Assim mesmo feia. E macambúzia. E sem qualquer rima.
Começava assim:
Um, dois, três [rock n' roll!]
A Carol é minha amiga
A Carol é minha prima
Tem longos cabelos
e olhos tão belos
Esta foi a única de seis estrofes que se aproxima mais de uma rima. Yep.
Continuava assim:
A Carol é minha amiga
E eu gosto tanto dela
Fomos passear prós parques [foi ela que me obrigou a usar o plural aqui...]
E foi muito divertido
A Carol é minha amiga
Fez-me desenhos tão belos
Com flores e borboletas
E o meu nome escrito neles [quase, quase rima!]
Úhuhuhuh!
E não posso continuar porque as restantes estrofes desvendam segredos insondáveis da nossa família, como nomes e isso... De qualquer maneira, acho que perceberam a ideia. Depois de cantar a música toda a primeira vez, pensei seriamente que tivesse acabado de causar algum trauma musical à miúda ou que não a tivesse ajudado minimamente a acalmar-se daquele choro pegado. Mas ela não só foi parando de chorar e soluçar, como me pediu para cantar outra vez. E outra vez. E outra vez. E às tantas tive de adicionar mais não sei quantas estrofes à obra-prima, tendo ficado assim uma espécie de Ode à Carol camoniana.
E uma hora depois, à meia-noite e dez, eu já rouca e afanada, ela adormeceu. Sem chucha. Nem dedo. Nem nada.
Se alguém quiser passar a música para uma pauta, está à vontade, que não levo nada pelos direitos de autor.
hehehe muito bom! Prova superada! Parabéns!
ResponderEliminara pergunta é: e o True Detective? ;)
ResponderEliminartão bom este relato, chorei a rir.
É aí a grande série do momento. Ainda mal começou e já fem uma legião de fãs. Respondi? ;)
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