13 de fevereiro de 2014

Esta coisa dos blogues

Numa parede algures em Lisboa

Corria o ano de 2004. Ouvi falar de uma coisa chamada blogue, que era uma espécie de diário online, mas não necessariamente e, levada pela curiosidade, criei um. Não sabendo que nome dar-lhe, pois, na verdade, não tinha pensado nisso, e perante a iminente obrigação de criar um nome e um nickname - Polliejean que já usava desde a era do mIRC, influenciada pela PJ Harvey - inventei uma combinação parola de blogue + Polliejean. O meu primeiro blogue chamava-se, assim, Bloguiejean. Ainda hoje tremo só de pensar na parolice... Felizmente, tempos mais tarde percebi que tinha de mudar o nome do blogue e, como estava a viver em Berlim e escrevia sobretudo sobre a minha vivência na cidade, lembrei-me de Bolas de Berlim. E assim se arranjou um nome que fazia todo o sentido.

Ao princípio não sabia bem o que escrever. Lembro-me que os meus primeiros posts soavam a diário de uma adolescente de 16 anos com crise de identidade. Mas, aos poucos, fui delineando um fio condutor, traçando uma temática (Berlim aos olhos de uma portuguesa) que me iria acompanhar até ao fim desse blogue, em 2006.
A minha primeira leitora era também uma portuguesa emigrada na Alemanha e tinha também um blogue (extremamente divertido). Conhecemo-nos pessoalmente num aeroporto e foi a pessoa responsável por, muitos anos mais tarde, me apresentar aquele que é hoje o pai das minhas filhas. Já isto dos blogues era importante e eu ainda não o sabia.
Graças ao Bolas de Berlim original conheci muita gente. Fiz amigos, tive namorados e relações que não sei bem definir, viajei, conheci gente que, não lhes podendo chamar amigas pelo tipo de relacionamento, são pessoas que me têm acompanhado desde esse tempo e com quem mantenho ainda hoje uma amizade facebookiana e bloguística, entrei num programa de rádio. Tinha muitos mais seguidores do que o estaminé actual. Repare-se que estávamos em pleno início da blogosfera em Portugal, isto é, ainda não era a massificação que é hoje, em que toda a gente tem um blogue. Havia, claro, já muita gente a fazer sucesso com blogues (lembro-me de A Ervilha Cor-de-Rosa, provavelmente o primeiro blogue em língua portuguesa, da Rititi e de A Pipoca Mais Doce ainda na fase Madrid), mas ainda era como uma aldeia em que toda a gente mais ou menos se "conhecia", uma comunidade muito mais coesa, em especial junto dos que estavam na diáspora. Linkávamo-nos uns aos outros, participávamos em guest posts uns dos outros, frequentávamos a "casa" uns dos outros e, sim, não havia post meu que não tivesse pelo menos três comentários (agora quando tenho três comentários regozijo de alegria - assim se dá a queda de uma estrela!). Não havia cá a parvoíce dos likes do Facebook e as pessoas, se gostavam ou tinham algo para dizer, tinham mesmo de ir à caixa dos comentários.
Foram dois anos em que me senti sempre muito acompanhada. Vivia sozinha e, à noite, quando chegava a casa e ligava o computador para escrever o meu post diário e responder aos comentários, era quase como receber a visita de amigos. Ri-me muito, chorei muito, enterneci-me muito e achava que escrevia bem. Mas, como em tudo, houve o reverso da medalha. Já tinha uma prol de seguidores tal (não sendo os milhares de certos blogues actualmente, era um número já bastante respeitável para uma era em que muita gente ainda não sabia o que era  um blogue) que me comecei a sentir algo overwhelmed (não há palavra como esta) e pressionada a escrever diariamente. Se passava dois dias sem escrever, tinha logo alguém a perguntar-me o que se passava. Pois que eu nem sempre tinha algo que contar ou, pelo menos, algo que encaixasse nas linhas do blogue... Depois foi o facto de certas pessoas, como a minha mãe e fantasmas do passado, terem descoberto o meu blogue. A par de exacerbada, senti-me sufocada e vigiada. Não só me sentia pressionada a escrever diariamente como já não podia dizer o que queria. E foi assim que a minha vontade de manter o blogue foi morrendo aos poucos. No derradeiro post em que anunciei o fim do blogue, mas sem avançar grandes explicações, tive muitos comentários de pesar, mesmo muitos, o que me deixou abalada e enternecida. Um deles era de um tal Tiago, que nunca tinha comentado no blogue, e que viria um dia a ser... quem?.. exacto, o pai das minhas filhas. O homem lia-me, quando me conheceu já sabia quem eu era e quando eu soube disso senti-me, de repente, muito importante.
[Também me aconteceu um dia, no Bairro Alto, alguém ter vindo ter comigo perguntar se eu era a Polliejean. Foi o meu grande momento de fama. Fã número dois, se me estás a ler: estás no meu coração!]

Depois houve um dia em que me deu a travadinha e apaguei a conta de e-mail que estava associada ao blogue  no Blogger. Foi-se e-mail, foi-se blogue e, com ele, o blogue posterior que criei no rescaldo do meu regresso a Lisboa. Chamava-se Hotel Heimat (Hotel Pátria, inspirado numa peça de teatro independente alemã que estava em cena quando me vim embora) do qual não há memória.
Antes disso tinha criado o Crónicas de Berlim, um blogue sazonal que foi mais um exercício de escrita do que outra coisa, polvilhado com pequenos pensamentos aleatórios que, calculo, tenham sido difíceis de encaixar pela elite que me seguia (digo elite porque foram escolhidos a dedo, embora mais tarde me tenham descoberto a carapuça) e muita música. Este blogue foi muito importante para mim porque me permitiu escrever sobre o que queria escondida atrás da Frau K., um alias muito diferente da Polliejean, divagar e satirizar as minhas relações amorosas passadas sem medo de chocar ou melindrar ninguém.

Depois disso, já bem instalada em Portugal, criei o Gato Preto Gato Branco e o mais um projecto verde que, como o nome indica, se tratava sobretudo de um blogue sobre ecologia e formas de viver mais verdes. Não durou muito, acho que me chateei por causa das fraldas.
Quando a Inês nasceu e para matar as horas mortas em que ela dormia e eu não sabia bem o que fazer sem ser olhar para ela, criei outro blogue, A Hora da Sesta, mas que não sobreviveu a mais do que 5 posts, nem sei bem porquê. E foi assim que chegámos ao actual Bolas de Berlim - sem creme para distinguir a Polliejean de Berlim com a Polliejean pós-Berlim - que é um blogue aonde gosto de voltar e cujo razoável anonimato me permite não fugir daquilo que eu sou, fora um ou outro exagero para apimentar a descrição da realidade. E é assim que vamos ficar, até eu um dia me voltar a sentir exacerbada e sufocada e sentir necessidade de me voltar a distanciar da blogosfera. Espero, contudo, que esse dia esteja ainda a anos luz. Porque, se não fosse a blogosfera, hoje em dia a minha vida seria completamente diferente. E não é ideia que me seduza.

4 comentários:

  1. Como o tempo passa....Obrigada, pelas Bolas de Berlim, por Berlim e pelas Bolas de Berlim sem creme !
    ( caraças, agora ficou a apetecer-me uma ! ) ;-)
    beijos, muitos

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    1. Estou a ver que este meu header é perigoso ;)

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  2. Como compreendo! Vou já no 5º blogue e o único que teve relativo sucesso relacionava-se com trabalho. Não gosto da sensação de obrigação de escrever e essa pressão desencoraja-me. Mas, como em tudo, nós mudamos e aprendemos a lidar com a pressão de uma forma diferente. Neste momento sei que o meu blogue vai, no máximo, durar um ano, pois retrata uma situação que durará um ano. Mas se me fartar entretanto não terei pudor em fechá-lo. Afinal, se não tiver prazer em escrever nele para que devo eu escrever?

    Na verdade, não pensava voltar a ter um blogue tão cedo, mas o prazer que tenho a ler blogues como o Bolas de Berlim sem creme e os Locais Habituais fez-me pensar que vale a pena. Obrigado.

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    1. Pôr este humilde blogue na mesma frase do Locais Habituais, onde tão bem se escreve, é que é batota ;) E obrigada eu!

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