18 de junho de 2013

Exercícios de auto-ajuda, parte II

Na minha entrevista de emprego para o lugar que ocupo actualmente, lembro-me de o agora meu chefe me dizer que se tratava de uma empresa de traduções técnicas e, portanto, aquilo que eu ia traduzir seriam manuais e textos técnicos, às vezes tão técnicos que seria impossível perceber do que se tratava, textos chatos e desmotivantes, mas que era mesmo assim e se eu aceitasse o trabalho, tinha de saber o que me esperava. Basicamente, o que ele disse foi: depois não te queixes.

Cinco anos depois da minha entrevista de emprego, nem sempre traduzo apenas textos técnicos. Às vezes calham-me artigos para revistas, cartas e comunicações empresariais, folhetos publicitários ou, do que eu gosto mesmo, textos médicos.  Mas o grosso do trabalho não é isto. Isto é uma benesse que aparece para nos apaziguar o espírito ou porque o chefe sabe que gosto e me dá um bombom no fim de uma semana a traduzir as instruções de montagem da peça daquela máquina que ainda ninguém percebeu o que faz.


Na sequência do post de ontem, venho hoje (tentar) identificar as origens do meu queixume. E é mesmo disto que me queixo. Da monotonia e da impossibilidade de dar asas à criatividade e de aprender sobre temas diferentes, ou mesmo temas interessantes. Muitas vezes penso que, se fosse trabalhar para outra empresa, teria certamente outro tipo de textos à disposição e poderia aprender sobre outras coisas, aumentar os meus conhecimentos e tornar o meu dia mais interessante. Mas depois lembro-me que já trabalhei noutra empresa e a coisa não correu bem. Às vezes penso ainda que deveria enveredar pelo trabalho independente, para poder organizar o meu tempo como melhor me convém e poder escolher o tipo de textos que quero traduzir. Mas sei bem que isso é uma falsa ilusão. Sem ter um mealheiro para me aguentar durante os primeiros tempos, não me atrevo a deixar o conforto de ter as férias pagas e o ordenado fixo ao fim do mês, o horário certo e a certeza de que sou paga em caso de doença e não tenho de andar a prestar contas constantes à SS e às Finanças. Às vezes penso ainda que, do que gostava mesmo, era de ser criativa e trabalhar com as mãos, costurar e fazer coisas giras, ir vender as minhas peças para feiras e fazer uma vida ambulante. Mas depois caio na real: eu não faço coisas giras com as mãos, eu não quero estar ao frio e à chuva a vender malas de pano e não quero ter uma vida ambulante, muito obrigado. Mas que raio de ideia. Tanto que costurar para mim é um hobby que até anda meio adormecido e nunca, mas nunca, poderá ser um meio de subsistência. Eu não sou uma boa costureira ou fazedora de manualidades, o que quer que isso seja, eu trabalho com letras e palavras, é o que sei fazer e é do que gosto mesmo. Ponto final.

Posto o que não me resta mais nada senão aguentar-me à bomboca, mudar a mentalidade e colar um post-it no computador com os cinco pontos do último texto que me fazem ficar feliz por ter o emprego que tenho. Dito assim, parece que caí no conformismo, na resignação. Mas eu chamo-lhe antes "aprender a ficar satisfeita com o que tenho, manter os pés bem assentes na terra e tirar partido do melhor que a vida tem para me oferecer". E não há razão para não aspirar por um aumento, mesmo sabendo que ninguém dá aumentos a grávidas... Não é por isso que me vou desleixar e deixar de apresentar bons resultados.

Na Alemanha tinha um trabalho muito stressante com uma chefe com quem tinha uma relação amor/ódio e que me desgastou muito nos três anos que lá estive. Para conseguir sobreviver aos dias, arranjei uma estratégia: imediatamente a seguir ao trabalho, tinha encontros marcados, ia fazer os meus hobbies (na altura andava a pintar cerâmica), ia ao cinema, jantar com amigos, tinha objectivos pessoais a cumprir que me davam alento para sair do trabalho bem-disposta e com vontade de viver, sem pensar que no dia seguinte teria de voltar ao trabalho. Basicamente ajudavam-me a esquecer o dia de merda que tinha tido. É uma boa estratégia, funciona mesmo.

Outra boa estratégia é tornar o dia de trabalho mais aprazível, como tornar as horas de almoço mais interessantes, indo nadar à hora de almoço, por exemplo (tenho uma piscina a 4 minutos de casa!), ou passar a almoçar com pessoas diferentes, ouvir bandas novas enquanto trabalho e, assim, descobrir música nova, e limitar o uso da Internet para fins recreativos aos tempos de pausa (para quem trabalha em casa e não tem ninguém a controlar, isto é uma tarefa bem difícil, mas não impossível, e posso dizer que já fiz grandes avanços a este nível!)

Para aqueles trabalhos de cortar os pulsos fiz uma playlist de sobrevivência com música mais enérgica para me ajudar a manter-me desperta. Também funciona.

Mas o essencial é mesmo manter uma atitude positiva e deixar de reclamar por vício (como se falava na caixa de comentários do post anterior). Não quer dizer que feche as portas a novas oportunidades ou que deixe de aceitar trabalhos interessantes por fora. Mas numa altura em que o país está como está e com um segundo bebé a caminho, acho que o caminho passa mesmo por dar graças pelo que tenho, porque o que tenho é muito bom e queixar muito envelhece. Há lá argumento melhor?

2 comentários:

  1. Como eu te compreendo! Eu estou a passar pelo mesmo, estou farta, farta de ver trabalhos de caca, traduzidos por tradutores externos que não se dão sequer ao trabalho de passar o corrector ortográfico quanto mais respeitar a terminologia do cliente, estou farta de clientes que adoram reclamar apenas porque sim e que acham que sabem mais português que nós! Não, ser revisora não é melhor, acredita, e muitas vezes penso que se calhar devia era ser só tradutora, ao menos não tinha estas chatices todas! Mas pronto, depois caio na real, vejo que com 2 filhos e com a situação económica que o país está a atravessar tenho é de dar graças pelo que tenho e não me pôr com queixumes!

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